Bem-vindo à Seção 4!
Na Seção 1, houve o ajuizamento de reclamação trabalhista por João da Silva, em que pretende o
reconhecimento de vínculo de emprego com a empresa XYZ Tecnologia S.A., assim como a
declaração de existência de dispensa discriminatória em virtude de estar acometido de câncer de
próstata, com o consequente pagamento de indenizações.
Na Seção 2, ocorreu a inversão de papéis. Para fins didáticos, você atuou como advogado da
reclamada, tendo apresentado defesa.
Já na Seção 3, na qualidade de advogado de João da Silva, você ajuizou Mandado de Segurança,
que é o meio adequado para combater decisões interlocutórias no Direito Processual do Trabalho.
Nele foram apontadas as razões pelas quais deveria ser revista a decisão da 48ª Vara do Trabalho
de Belo Horizonte/MG, que autorizou a quebra do sigilo de geolocalização do reclamante junto à
companhia telefônica.
Você elaborou um Mandado de Segurança irretocável. Assim, conseguiu obter o deferimento de
liminar suspendendo imediatamente a quebra do sigilo de geolocalização do José da Silva. O
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, rapidamente, julgou o Mandado de Segurança,
concedendo a segurança postulada. A XYZ Tecnologia S.A. não interpôs recurso, razão pela qual
houve o trânsito em julgado.
A reclamação trabalhista, portanto, voltou ao seu curso natural, com a realização de audiência de
instrução e julgamento. Foram ouvidas duas testemunhas convidadas por cada parte, encerrandose a instrução processual.
As partes tomaram ciência da disponibilização da sentença no dia 04/03/2024, segunda-feira. O seu
teor é o seguinte:

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO
48ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE/MG
RITO ORDINÁRIO
PROCESSO N. 0010100-20.2023.5.03.0048
RECLAMANTE: JOÃO DA SILVA
RECLAMADA: XYZ TECNOLOGIA S.A.
SENTENÇA1 – RELATÓRIOO reclamante ajuizou a presente reclamação trabalhista alegando que prestou serviços para a
reclamada de 1º/04/2022 a 29/09/2023. Afirma que a contratação se deu por meio de pessoa jurídica
da qual é sócio e que se trata de artifício para burlar a legislação trabalhista. Requer, portanto, o
reconhecimento do vínculo de emprego, além do pagamento dos consectários legais e da multa
prevista no art. 477, §8º, da CLT. Afirma que, durante o período, foi acometido de câncer na próstata
e, embora apto para o trabalho, foi dispensado de forma discriminatória. Postula, assim, o pagamento
de indenização por danos morais, assim como os salários e as demais verbas remuneratórias, em
dobro, desde a rescisão do contrato de trabalho até a prolação da sentença na presente reclamação
trabalhista.
Atribuiu à causa o valor de R$ XXX,XX. Juntou documentos.
Regularmente citada, a reclamada apresentou contestação, afirmando que não estão preenchidos
os requisitos do art. 3º da CLT. Aduz que não havia pessoalidade, tendo o reclamante enviado
terceiros para a realização do objeto para o qual foi contratado. No tocante à dispensa discriminatória,
afirma que o encerramento contratual ocorreu em virtude do término do projeto do qual o reclamante
participava, não tendo nenhuma relação com a doença que o acomete. Ao fim, requer a total
improcedência dos pedidos.
Realizada a audiência, proposta a conciliação, não foi aceita.
A impugnação foi realizada em audiência e devidamente transcrita na ata de audiência.
Fixados os pontos controvertidos e definido o ônus da prova, consensualmente, procedeu-se à oitiva
das partes e de duas testemunhas de cada parte.
Como declararam que não desejavam produzir outras provas, encerrou-se a instrução.
Alegações finais remissivas.
Renovada a tentativa de conciliação, não foi aceita.
2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – VÍNCULO DE EMPREGONo caso em tela, não há margem para o acatamento da tese defensiva de que houve prestação de
serviços autônomos.
A contratação por intermédio de pessoa jurídica se deu com o claro intuito de burlar a legislação
trabalhista, o que é nulo nos termos do art. 9º da CLT.
A existência dos requisitos da relação de emprego, previstos no art. 3º, do texto celetista, fica clara
quando se analisa o conjunto probatório. As notas fiscais emitidas pelas empresa do reclamante são
sucessivas, o que indica a prestação de serviços unicamente para a reclamada. Embora a
exclusividade não seja requisito da relação de emprego, tal fato é indício de que o obreiro não se
podia fazer substituir, como asseverado pela reclamada.
A prova testemunhal demonstrou que o Sr. Elder Magalhães e o Sr. João Paulo Ribeiro foram apenas
indicados pelo reclamante para prestar serviços pontuais para a reclamada. Não merece
credibilidade o depoimento de uma das testemunhas ouvidas a pedido da reclamada, que afirma que
o reclamante teria sido substituído em diversas ocasiões pelas duas citadas pessoas.
Embora tivesse liberdade de horário, o reclamante tinha que dar satisfação para o seu contratante,
o que denota não só a subordinação, mas, especialmente, a pessoalidade com que os serviços eram
prestados.
Diante do exposto, acolho o pedido formulado na petição inicial e declaro a nulidade do contrato de
prestação de serviços firmado entre reclamante, por meio pessoa jurídica da qual é sócio, e a
reclamada, com o consequente reconhecimento do vínculo de emprego.
Assim, condeno a reclamada ao pagamento de: 33 (trinta e três) dias de aviso prévio de forma
indenizada, nos termos do art. 1º da Lei nº 12.506/11, assim como do disposto no art. 487 da CLT;
férias indenizadas referente ao período completo de trabalho, ou seja, ao período aquisitivo de
2022/2023, acrescida do 1/3 constitucional; férias proporcionais acrescidas do 1/3 constitucional
referente ao período aquisitivo que se iniciou em 1º/04/2023, ou seja, 7/12 de férias proporcionais +
1/3, nos termos dos arts. 134 e 146 da CLT; 9/12 do décimo terceiro do ano de 2022; 10/12 de décimo
terceiro salário relativo ao ano de 2023, como dispõem o art. 7º, inciso VIII, da CRFB/88 e o art. 1º
da Lei nº 4.090/62; multa de 40% do FGTS, com base no disposto no art. 18 da Lei nº 8.036/90 e no
art. 7º, inciso I, da CRFB/88
Além disso, condena-se a reclamada ao recolhimento do FGTS durante todo o pacto laboral, nos
termos do art. 15 da Lei nº 8.036/90, assim como à obrigação de fazer consistente na entrega das
guias para fins de recebimento do seguro-desemprego, sob pena de pagamento de indenização
substitutiva. Deverá, ainda, no prazo de 10 (dez) dias contados do trânsito em julgado, anotar a CTPS
com data de entrada em 1º/04/2022 e data de saída em 1º/11/2023, nos termos da Orientação
Jurisprudencial nº 82 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I) do Tribunal
Superior do Trabalho (TST).
2.2 – MULTA DO ART. 477, §8º, DA CLT
Uma vez reconhecido o vínculo de emprego em juízo, aplica-se a diretriz da Súmula nº 462 do
Colendo TST:
MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. INCIDÊNCIA. RECONHECIMENTO JUDICIAL DA RELAÇÃO
DE EMPREGO.
A circunstância de a relação de emprego ter sido reconhecida apenas em juízo não tem o condão de
afastar a incidência da multa prevista no art. 477, §8º, da CLT. A referida multa não será devida
apenas quando, comprovadamente, o empregado der causa à mora no pagamento das verbas
rescisórias.
Observação: Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016 – Republicada em razão de
erro material, DEJT divulgado em 30.06.2016
Diante do exposto, condeno a reclamada ao pagamento da multa prevista no art. 477, §8º, da CLT.
2.3 – DISPENSA DISCRIMINATÓRIA
No caso sob análise, é incontroverso que o reclamante foi dispensado durante o período de
tratamento de câncer de próstata. Também, é inconteste que a reclamada sabia de seu estado de
saúde e que foi dispensada estando apta para o trabalho. A controvérsia, portanto, reside na
existência ou não de dispensa em virtude do seu quadro de saúde.
Embora a reclamada tenha trazido aos autos documentos que demonstram o encerramento do
“Projeto Alfa”, não há provas de que o reclamante tenha sido contratado exclusivamente para tal
projeto. Além disso, não há comprovação de que a rescisão contratual se deu em virtude do
esgotamento do “Projeto Alfa”.
Diante do fato de o obreiro estar doente e isso ser de conhecimento da empresa, o ônus de prova
acerca da motivação da rescisão contratual é da reclamada. Neste sentido é a dicção da Súmula nº
443, do TST:
SÚMULA N.º 443. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE
DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO.
Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou
de outra doença
grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração
no emprego.
Não resta dúvida de que o câncer de próstata é uma doença grave e estigmatizante, conforme já
pacificado pela Subseção de Dissídios Individuais I, do TST, nos autos nº 1001897-
90.2016.5.02.0006.
Na situação proposta, a reclamada não comprovou que a rescisão se deu pelo encerramento do
“Projeto Alfa”. As testemunhas ouvidas no feito foram no sentido de que a atuação do reclamante
não se resumia ao mencionado projeto, o que conduz à inarredável conclusão de que não foi essa a
motivação da rescisão contratual. Em que pese uma das testemunhas ouvidas a convite da
reclamada ter dito que a prestação de serviços era quase que exclusiva no “Projeto Alfa”, entendo
que ela não foi tão convincente quanto às demais ouvidas nos autos.
Diante do exposto, prevalece a presunção de dispensa discriminatória e a consequente condenação
da reclamada ao pagamento dos salários e das demais verbas remuneratórias, em dobro, desde a
rescisão do contrato de trabalho até a prolação da sentença na presente reclamação trabalhista, nos
termos do art. 4º, inciso II, da Lei nº 9.029/95.
Comprovada também a abusividade da conduta empresarial, o que dá ensejo ao deferimento do
pedido de indenização por danos morais. Neste sentido é a jurisprudência do Egrégio TRT da 3ª
Região:
DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. DIREITO POTESTATIVO DO EMPREGADOR. ABUSO. DANO
MORAL. Ainda que a dispensa sem justa causa constitui direito potestativo do empregador, certo é
que, também, comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187 do
CC), como na hipótese, em que a ruptura contratual se deu como forma de retaliação pela
participação do autor como testemunha em processo ajuizado por outro empregado em face da
reclamada.
(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010010-84.2022.5.03.0047 (ROT); Disponibilização: 04/05/2023,
DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 2687; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator(a)/Redator(a) Anemar
Pereira Amaral)
Assim, condena-se a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$
XXXXXX.
2.4 – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
No caso em tela, a reclamada foi integralmente sucumbente, razão pela qual fixo os honorários
advocatícios em proveito do advogado do reclamante em 15% do valor atualizado da causa, nos
termos do caput do art. 791-A da CLT.
3 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, julga-se totalmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial nos seguintes
termos:
a) Declarar a existência do vínculo de emprego no período de 1º/04/2022 a 1º/11/2023 com a
condenação ao pagamento de 33 (trinta e três) dias de aviso prévio de forma indenizada; férias
indenizadas referente período aquisitivo de 2022/2023, acrescida do 1/3 constitucional; 7/12 de férias
proporcionais + 1/3 referente ao período aquisitivo que se iniciou em 1º/04/2023; 9/12 do décimo
terceiro do ano de 2022; 10/12 de décimo terceiro salário relativo ao ano de 2023; recolhimento do
FGTS durante todo o pacto laboral.
b) Anotar a CTPS com data de entrada em 1º/04/2022 e data de saída em 1º/11/2023.
c) Entregar as guias para fins de recebimento do seguro-desemprego, sob pena de pagamento de
indenização substitutiva.
d) Reconhecer a dispensa discriminatória e condenar a reclamada ao pagamento dos salários e das
demais verbas remuneratórias, em dobro, desde a rescisão do contrato de trabalho até a prolação
da sentença na presente reclamação trabalhista.
e) Reconhecer a dispensa discriminatória e condenar a reclamada ao pagamento de indenização por
danos morais no valor de importe de R$ XXXXXX.
Condeno a reclamada ao pagamento de honorários advocatícios em proveito do advogado do
reclamante em 15% do valor atualizado da causa.
Custas pela reclamante na ordem de 2% do valor dado à causa de R$ XXXX.
Belo Horizonte/MG, 1º de março de 2024.
Juiz do Trabalho
Na qualidade de advogado da empresa XYZ TECNOLOGIA S.A., você deverá analisar o teor da
sentença e verificar qual medida processual pode ser adotada no presente caso.
Lembre-se de que esta inversão de papéis é apenas para fins didáticos, com o intuito de que você
domine amplamente a praxe trabalhista.