A nossa Constituição é conhecida como Constituição Cidadã, e recebeu esse apelido por Ulisses
Guimarães, que foi o Presidente da Assembleia Nacional Constituinte e quem a promulgou na data
histórica de 5 de outubro de 1988.
Mas, por que ela recebeu esse “apelido”? Por um motivo muito nobre: pela ampla previsão de direitos
fundamentais e democráticos que ela possui.
A nossa Constituição rompeu com um regime de exceção democrática, uma ditadura que retirou dos
cidadãos diversos direitos que somente vieram a ser recuperados com o novo texto constitucional,
que foi muito além de outras constituições e previu importantes direitos que são comumente
exercidos por todos nós atualmente, como a liberdade de imprensa, de reunião de comunicação,
assim como direitos relativos à igualdade entre homens e mulheres, direitos de proteção especial às crianças e aos adolescentes, aos idosos, aos índios, e muito mais, como o direito universal à saúde,
previsto em seu art. 196, e a ampla proteção aos direitos dos consumidores.
PONTO DE ATENÇÃO
Constituição da República
Art. 5º, XXXII – O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
A Constituição prevê direitos e princípios que são superiores às demais normas jurídicas, e os
Direitos Fundamentais possuem características especiais em relação a outras normas
constitucionais, dentre elas, destacamos sua previsão como cláusulas pétreas.
Isso significa que os direitos fundamentais e sociais são direitos intangíveis e irredutíveis, sendo
providos da garantia da rigidez, o que torna inconstitucional qualquer ato que tenda a restringi-los ou
aboli-los, mesmo que por meio de emendas constitucionais. É o que prevê o art. 60, §4º:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(…)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais. (Brasil, 1988, [s. p.], grifo do autor)
Veja que a Constituição pode ser amplamente alterada por meio de um procedimento legislativo
especial chamado de Emenda Constitucional. Essas emendas podem, inclusive, acrescentar novos
direitos e garantias fundamentais ao texto, contudo jamais podem restringi-los ou aboli-los, sob pena
de a própria emenda ser considerada inconstitucional.
A essa possibilidade de incremento de direitos e impossibilidade de sua redução damos o nome de
Princípio do Não Retrocesso dos Direitos Fundamentais.
A proteção aos superendividados, apesar de não constar expressamente do texto constitucional,
passou a ser parte da ampla proteção aos consumidores, afinal, consumo e crédito andam juntos e
podem causar graves problemas ou trazer úteis soluções.
A PROTEÇÃO AO SUPERENDIVIDAMENTO
Em julho de 2021, a Lei nº 14.181/2021 entrou em vigência após anos de pesquisa, discussão e
debates envolvendo diversos atores da proteção ao consumo. Essa lei alterou o Código de Defesa
do Consumidor (CDC) e o Estatuto da Pessoa Idosa, disciplinando a concessão de crédito ao
consumidor e a prevenção e o tratamento do superendividamento.
As alterações introduziram dois capítulos novos no CDC (Capítulo VI-A, dos arts. 54-A a 54-G,
intitulado Da prevenção e do tratamento do superendividamento, e o Capítulo V, dos arts. 104-A a
104-C, intitulado Da conciliação no superendividamento), a fim de prevenir e tratar as causas para
esse fenômeno. Fenômeno, pois decorre da própria natureza das sociedades baseadas em
consumo, como é a realidade global cotidiana e gera a ruína global do indivíduo, ameaçando a sua
saúde, a sua família e a sua exclusão da sociedade de consumo.
PONTO DE ATENÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor (§1º do art. 54-A) define superendividamento
como “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar
a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu
mínimo existencial, nos termos da regulamentação” (Brasil, 1990, [s. p.]).
Algumas das novidades introduzidas pela nova lei são:
Definição da condição de superendividamento: a lei estabelece uma clara definição de
superendividamento, considerando-o como a situação do consumidor que não consegue pagar todas
as suas dívidas de maneira compatível com sua capacidade financeira, estando presente a boa-fé
para com os credores.
Prevenção: prevê meios de garantir a informação e os esclarecimentos específicos que a concessão
de crédito e a compra a prazo exigem; analisar as ações de marketing e evitar o assédio de incentivo
ao consumo; assegurar a cooperação e o cuidado com os consumidores com as práticas comerciais
abusivas e as fraudes que abusam da sua vulnerabilidade inerente.
Como um desdobramento de prevenção, a lei trata da educação financeira e ambiental dos
consumidores, no inciso IX do art. 4º, com a seguinte redação: para o “fomento de ações direcionadas
à educação financeira e ambiental dos consumidores” (Brasil, 1990, [s. p.]).
Um procedimento judicial de superendividamento: a lei introduziu um procedimento judicial específico
para lidar com casos de superendividamento, permitindo ao consumidor buscar uma renegociação
de suas dívidas com a participação ativa dos credores em um plano comum para todas as dívidas.
Audiência de conciliação: a lei prevê a realização de audiência de conciliação para que o consumidor
e os credores busquem um acordo para a renegociação das dívidas.
Plano de pagamento: caso essa conciliação ocorra, será elaborado um plano de pagamento que leva
em consideração a capacidade financeira do consumidor, com descontos, prazos estendidos e outras
condições favoráveis, para tornar a quitação das dívidas mais viável.
Redução de juros e multas: a lei permite que, em determinadas situações, os juros e as multas sejam
reduzidos ou eliminados, para facilitar a liquidação das dívidas.
Proteção do mínimo existencial: garante que o consumidor superendividado mantenha uma renda e
um patrimônio mínimos para sua subsistência.
Combate à exclusão social do consumidor: evitar a ruína do endividado, exceção da ruína com a
manutenção dos contratos em certo estado de equilíbrio em uma cooperação coletiva dos credores,
com a manutenção do mínimo existencial e pautados na boa-fé.
Lembrando que a Constituição trouxe, com a proteção especial aos consumidores, a aplicação
especial do princípio da igualdade material, tratando diferentemente os partícipes de uma relação fática naturalmente desigual, reconhecendo a hipossuficiência, isto é, a vulnerabilidade do
consumidor, regulando essas relações por meios de normas de ordem pública.
Você já tinha ouvido falar dessa nova lei?