A CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O direito a uma vida digna é um fundamento da Constituição Federal de 1988, e está claramente
delineado no art. 1º, inciso III, no qual a dignidade da pessoa humana é proclamada como um valor
supremo na construção do Estado Democrático de Direito.
Esse valor fundamental não é apenas um princípio mas também o núcleo de todos os direitos
fundamentais estabelecidos em nossa Constituição, merecendo a proteção especial da imutabilidade
das “cláusulas pétreas”, não podendo ser reduzido ou eliminado, nem mesmo através de emendas
constitucionais.
Todos os direitos fundamentais são decorrentes do princípio da dignidade humana e têm como
objetivo salvaguardar todos os aspectos da vida humana em uma existência digna. A Constituição
de 1988 os concentrou primordialmente no seu art. 5º, porém também os espalhou ao longo de todo
o texto, incorporando princípios que derivam da própria lógica constitucional, mas não escritos formalmente no texto, denominados princípios constitucionais implícitos, assim como os tratados
internacionais de direitos humanos que sejam internalizados em nosso ordenamento jurídico.
A Constituição de 1988 não apenas declara nossa firme adesão à dignidade da pessoa humana
como valor supremo mas também implementa de forma abrangente e sistemática os meios para
protegê-la.
Ela estabelece esses direitos e os consagra como inalienáveis e inegociáveis, reforçando, assim, o
compromisso do Estado em garantir a todos os cidadãos uma vida digna, baseada no respeito, na
justiça e na igualdade.EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
A Constituição narra direitos que, como vimos, estão espalhados por todo o texto constitucional e até
mesmo fora dele. Esses direitos, assim como as demais normas da Constituição, não são todos
iguais, pois possuem eficácias diferentes, ou seja, alguns deles podem e devem ser exigidos de
forma ampla e imediata, enquanto outros – em razão de sua natureza e abstração – se apresentam
com um conteúdo mais vago, como uma meta do constituinte, um programa, um norte para ser
seguido pelas gerações futuras.
José Afonso da Silva, um dos mais importantes constitucionalistas brasileiros, apontou que existem
três espécies de normas constitucionais: normas de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia
limitada. Essa classificação se refere ao grau de eficácia jurídica dessas normas, demonstrando que
as normas constitucionais não são todas iguais.
As normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata são aplicadas desde a sua entrada em vigor,
isto é, não dependem de regulamentação ou qualquer outra norma posterior para exercerem seus
efeitos em sua integralidade. Essas normas são autoaplicáveis desde o seu nascimento e não
precisam de outras normas que lhes tornem exigíveis.
As normas de eficácia contida são caracterizadas por sua ampla aplicabilidade imediata ao entrarem
em vigor, porém podem ter seu alcance restringido por outras normas que regulamentam e limitam
sua eficácia, determinando sua abrangência e forma de aplicação. Isso fica evidente, por exemplo,
no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, o qual assegura a liberdade de exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidos os requisitos profissionais estabelecidos pela lei.
Embora o constituinte tenha consagrado a liberdade de exercer qualquer ocupação, deixou espaço
para que o legislador imponha restrições com base na legislação. Isso é notável no caso da advocacia, em que ser bacharel em Direito não é suficiente; é preciso demonstrar conhecimento
jurídico através da aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
O direito estabelecido pelo Constituinte é abrangente, mas pode ser legitimamente restringido em
prol de interesses sociais. No caso da advocacia, dada a sua importância como função essencial da
justiça, é razoável a exigência de qualificação mínima para quem assume essa função privada de
interesse público.
Em terceiro lugar, José Afonso da Silva ressalta a existência de normas constitucionais de eficácia
limitada. Estas normas não possuem por si só força suficiente para produzir todos os seus efeitos a
partir de sua promulgação, dependendo da promulgação de normas posteriores que as
complementem e tornem eficazes.
Elas têm impacto no universo jurídico ao estabelecerem diretrizes e limites mínimos que vinculam o
legislador em uma determinada direção, mas não possibilitam a execução integral dos direitos nelas
previstos sem que haja uma norma subsequente que as aplique. Vejamos um importante exemplo
de norma dessa natureza.
O constituinte no art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal estabelece que “o Estado promoverá,
na forma da lei, a defesa do consumidor” (Brasil, 1988, [s. p.]). Veja que essa defesa do consumidor
deverá ser exercida na forma da lei, sendo ela necessária para a aplicabilidade da norma
constitucional. Contudo, perceba que o constituinte exigiu que as relações de consumo não fossem
apenas reguladas por meio de uma lei, pelo contrário, ele definiu previamente que essa lei deveria
proteger uma das partes da relação jurídica – defendendo o consumidor –, por assumir que esse
ocupa uma posição mais vulnerável nas relações de consumo.
Perceba também que, apesar de a norma não poder ser aplicada imediatamente após a sua entrada
em vigor, desde esse momento vinculou o legislador no sentido de que fizesse uma lei que
protegesse a parte mais vulnerável da relação, ou seja, o consumidor.
Caso o legislador não cumprisse com essa missão protetiva de forma minimamente adequada,
incorreria em uma inconstitucionalidade. Assim, percebemos que as normas de eficácia limitada,
mesmo que não exerçam plena eficácia imediata, vinculam o legislador, a interpretação e a aplicação
do Direito, não podendo essas se afastarem do caminho apontado pelo constituinte. Foi em razão
dessa norma constitucional que foi criado o Código de Defesa do Consumidor, com um amplo rol de
proteções e direitos.
As normas de eficácia limitada podem, ainda, ser divididas em dois grupos de normas: as institutivas
ou organizadoras e as de princípio programático.
As normas de princípio institutivo organizam por meio da previsão geral a estrutura do Estado, isto
é, elas preveem órgãos que deverão ser materializados e estruturados pela Administração Pública e
ter o seu funcionamento regulado por meio de normas. A Constituição de 1988 criou diversos órgãos
e alterou a competência de outros já existentes. Um desses órgãos foi o Superior Tribunal de Justiça,
criado em 1988, o qual substituiu o Tribunal Federal de Recursos até então existente. A previsão da
criação de um órgão no texto constitucional, por si só, não tem o condão de “tirá-lo do papel”, sendo
necessária para o seu regular funcionamento a regulamentação da sua estrutura, a nomeação de
funcionários, a adoção de uma sede e meios materiais para o exercício das funções, orçamento etc.
Assim, a norma que cria um órgão é de eficácia limitada, pois necessita de outros meios legislativos
e materiais para que, de fato, entre em funcionamento.
Por sua vez, as normas de eficácia limitada denominadas programáticas são aquelas que instituem
programas, nortes, metas que deverão ser alcançadas no futuro. Essas normas em razão da sua
abrangência e abstração dependem de outras normas para a sua aplicação. Encontramos normas
dessa natureza, por exemplo, no Capítulo VI da Constituição, que dispõe sobre o meio ambiente (art.
225). Vejamos o caput desse artigo: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”
(Brasil, 1988, [s. p.]).
Perceba que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está previsto na Constituição,
mas os meios pelos quais esse direito será preservado dependem de uma série de medidas públicas
e privadas que garantam efetivamente essa proteção.
Temos que ter em mente, ainda, um importante princípio previsto em nossa Constituição, o da
máxima efetividade dos direitos fundamentais.
O constitucionalista português Canotilho aponta que as normas constitucionais devem ser
interpretadas e aplicadas para ser dada a máxima efetividade (aplicabilidade) a elas, em especial,
em relação aos direitos fundamentais.
Com essa máxima efetividade é que devemos interpretar a Constituição e, em especial, o art. 5º, §1º,
que dispõe que as normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais têm aplicabilidade
imediata, sendo elas exigíveis de plano.
PONTO DE ATENÇÃO
PRINCÍPIO APLICAÇÃO IMEDIATA
Art. 5º, §1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata