O CONTROLE E A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Falamos aqui, por diversas vezes, a respeito da superioridade da Constituição em relação às demais
normas, denominada de Princípio da Supremacia das Normas Constitucionais.
Como a Constituição dá ao ordenamento jurídico a sua estrutura última de validade, é essencial que
ocorra a interpretação de suas normas sempre que for confrontada como um paradigma em relação a outras normas jurídicas ou até mesmo entre os dispositivos constantes de seu texto. Essa
interpretação acarreta o uso de técnicas que extraem do seu texto um significado próprio.
Duas dessas técnicas possuem destaque, pois estão previstas expressamente na Lei nº 9.868/99
(Lei da ADI, ADO e ADC), que as incluiu no parágrafo único do art. 28, e ambas possuem o objetivo
comum de preservar uma norma que, à primeira vista, parece ser inconstitucional.
Elas, no entanto, diferem na maneira como corrigem os vícios de inconstitucionalidade.
Interpretação conforme a Constituição
A técnica da “interpretação conforme a Constituição” é aplicada apenas a normas que possuem
múltiplos significados possíveis, ou seja, normas que podem ser interpretadas de mais de uma
maneira.
O órgão de controle de constitucionalidade (STF ou TJs) elimina a inconstitucionalidade excluindo
certas “possibilidades de interpretação” que violem a Constituição, permitindo apenas a interpretação
que seja compatível com o texto constitucional.
Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto
A técnica da “declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto” é usada para evitar
a inconstitucionalidade em situações específicas sem alterar o texto normativo da lei. Ao contrário da
primeira técnica, não se trata de afastar diferentes interpretações da norma, mas, sim, de excluir a
aplicação da norma em determinadas situações que a tornariam inconstitucional.
Dessa forma, o aplicador indica a forma que a norma deve ser aplicada, a fim de que se extraia dela
o sentido harmonicamente compatível com a norma constitucional.
A Lei do Controle de Constitucionalidade
A Lei nº 9.869/1999 estabelece as normas gerais para o processo e julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal
Federal (STF).
A lei repete os requisitos constitucionais para a propositura da ADI e da ADC e dá peculiaridades à
legitimação ativa, competência para ajuizamento e necessidade de fundamentação específica,
suspensão da eficácia da norma questionada e alcance da decisão do STF, bem como estabelece os procedimentos para o julgamento, incluindo prazos, publicação de pautas, sustentação oral, entre
outros
A figura do amicus curiae
Também, inovou trazendo ao ordenamento a regulação das intervenções e a figura do amicus curiae
nas ações de controle de constitucionalidade. Essa forma de participação de terceiros no processo
é desempenhada por uma pessoa ou entidade que não é parte diretamente envolvida em um
processo judicial, mas que é convidada ou permite-se que participe do caso para fornecer
informações adicionais, argumentos ou perspectivas que possam ser relevantes para a decisão do
tribunal.
No Brasil, a instituição do amicus curiae está regulamentada por diversas normas, incluindo o Código
de Processo Civil (CPC) e a Lei nº 9.868/1999 (que trata das ações diretas de inconstitucionalidade).
Essas leis estabelecem as regras e os procedimentos para a sua atuação em casos em que está
presente o interesse público.
A sua atuação é geralmente aceita quando a decisão do tribunal pode ter repercussões sociais,
econômicas ou políticas, permitindo a juntada de argumentos, estudos e opiniões que representem
a sociedade de forma mais ampla, indo além dos interesses das partes diretamente envolvidas no
processo.
Os amici curiae (plural de amicus curiae) podem apresentar petições, pareceres, documentos e até
mesmo sustentarem oralmente durante as sessões de julgamento
Trazendo conhecimentos jurídicos (distintos dos usualmente utilizados, como normas e decisões de
cortes internacionais) e não jurídicos a respeito de determinado tema, enriquecem o debate e
oferecem informações adicionais ao tribunal com perspectivas multidisciplinares. A sua participação
depende da aprovação do tribunal competente, que avalia se a sua contribuição é relevante para a
tomada de decisão, e não deve ser meramente repetitiva do que já foi alegado pelas partes, mas,
sim, trazer elementos novos e significativos.
As formas de controle de constitucionalidade
Vimos em nossos encontros que o controle de constitucionalidade pode ser desempenhado pelos
três Poderes da República: Legislativo, Executivo e Judiciário.
Também, vimos que ele pode ser PREVENTIVO quando é realizado antes do ingresso de uma norma
no ordenamento jurídico, e REPRESSIVO após a sua entrada. No primeiro caso, esse papel é desempenhado quase que exclusivamente durante o processo legislativo, que é a função complexa
de criação de normas, que envolve o Legislativo e o Executivo.
Após a publicação de uma norma aprovada e promulgada, ela passa a existir no mundo jurídico,
gerando efeitos para todos, o que denominamos erga omnes. Nesse momento, a função de controle
de constitucionalidade é quase que integralmente desempenhada pelo Poder Judiciário, sendo
diversos os instrumentos utilizados para essa finalidade de retirar do ordenamento normas que não
são compatíveis com nossa Constituição
Vimos que, no controle difuso, qualquer juiz ou tribunal pode afastar a aplicação de uma norma
considerada inconstitucional em um caso concreto. Esse controle é incidental, ou seja, ocorre durante
o julgamento de um caso específico, e os efeitos dessa decisão somente alcançarão as suas partes
(interpartes).
No controle concentrado, o STF e os Tribunais de Justiça dos estados federados, em relação às suas
constituições estaduais, têm competência para julgar ações diretas de inconstitucionalidade (ADI),
ações de inconstitucionalidade por omissão (ADECOM) e ações declaratórias de constitucionalidade
(ADC). Nesse sistema, a análise da constitucionalidade é centralizada e ocorre de forma abstrata,
sem a necessidade de um caso concreto. Nesses casos, a norma é retirada do ordenamento jurídico
em razão de sua inconstitucionalidade; complementada por uma norma que foi omitida pelo
legislador e que, em razão disso, não pode ser usufruído um direito constitucional; ou ainda, afastada
a discussão a respeito da constitucionalidade ou não de uma norma específica.
Em todos esses casos, os legitimados para a sua propositura são especiais, previstos pelo
constituinte, e os efeitos da decisão alcançarão a todos igualmente, mesmo que não tenham
participado da ação; é o chamado efeito erga omnes.
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
A ADPF visa à proteção de preceitos fundamentais da Constituição Federal em situações de ameaça
ou lesão. Foi instituída pela Emenda Constitucional nº 3/1993, tendo se tornado um meio eficaz para
a defesa da Constituição em casos específicos, que não se adequem aos previstos em outras ações
de controle de constitucionalidade, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
A ADPF preserva a supremacia da Constituição Federal, permitindo que o STF declare a
inconstitucionalidade de atos do Poder Público que estejam em desacordo com preceitos
fundamentais da Constituição.
Podem propor ADPF o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, o Defensor
Público-Geral da União, partidos políticos com representação no Congresso Nacional,
confederações sindicais, entidades de classe e outras instituições com relevante atuação em
questões constitucionais.
A ADPF tem sido utilizada em casos de grande repercussão, como a criminalização da homofobia
(ADPF 427 e MI 4733) e a liberdade de imprensa (ADPF 130), em que a maioria dos ministros do
Supremo Tribunal Federal entendeu que a Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa) não foi recepcionada
pela Constituição de 1988. Além disso, tem sido empregada em questões relacionadas aos direitos
humanos, ao meio ambiente, à democracia e às garantias fundamentais.
O objeto de controle na ADPF é distinto do analisado pela ADI e engloba: as leis municipais que
violam preceitos fundamentais da Constituição; atos administrativos normativos do Poder Executivo,
como decretos, regulamentos e outras normas; atos normativos do Poder Judiciário; atos normativos
do Poder Legislativo, como resoluções, decretos legislativos e outros que violem preceitos
fundamentais
São também importantes objetos de controle da ADPF a recepção de normas anteriores à
Constituição de 1988 que não tenham sido expressamente revogadas e, assim, ainda estejam em
vigor.
A Reclamação constitucional
O instituto da Reclamação no STF é uma ação jurídica que tem como principal finalidade preservar
a autoridade das decisões da própria Corte e garantir o cumprimento de suas súmulas vinculantes.
A Reclamação é uma ferramenta que visa evitar que decisões de instâncias inferiores ou atos
administrativos contrariem o entendimento consolidado pelo STF, prevista na Constituição Federal
(art. 102, §1º) e regulamentada por leis específicas e pelo Regimento Interno do STF
A competência para julgar as reclamações é exclusiva do STF. Isso significa que o tribunal tem a
última palavra na análise desses casos, garantindo a uniformidade da interpretação e a autoridade
de suas decisões.
A Reclamação é uma ação que visa preservar a autoridade das decisões do STF. Isso significa que
ela é utilizada quando alguém entende que uma decisão de tribunal inferior, autoridade administrativa
ou mesmo ato normativo está em desacordo com uma decisão anterior do STF ou com uma súmula
vinculante da Corte
As súmulas vinculantes são enunciados sumulares editados pelo STF que possuem efeito vinculante,
ou seja, são de observância obrigatória por todos os órgãos do Poder Executivo e do Poder
Judiciário. A Reclamação é um instrumento comum para assegurar o cumprimento dessas súmulas.
A cláusula de reserva de plenário
A denominada cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da CF, somente é aplicável aos
órgãos colegiados, formados por um grupo de julgadores, como os tribunais, não se aplicando ao
juiz de primeiro grau, que julga sozinho
De acordo com essa regra, a competência para declarar a inconstitucionalidade da norma ou do ato
será do órgão especial ou plenário, sendo essa competência funcional, portanto absoluta.
O CPC prevê, nos arts. 948 a 950, que o relator ouvirá o Ministério Público, que atua como fiscal da
lei, e as partes, após o pedido de análise da inconstitucionalidade, submetendo ao órgão que tiver
atribuição para conhecer do processo.
A necessidade de prequestionamento
Prequestionamento é a alegação prévia e análise pelo órgão julgador da matéria de interesse do
recorrente, para que um recurso excepcional seja recebido pelas instâncias superiores.
O prequestionamento dos dispositivos legais ou constitucionais supostamente violados apresentase como requisito essencial para a admissibilidade dos recursos denominados extremos ou
excepcionais.